quinta-feira, 28 de abril de 2011

O grito de Clarice Lispector

Você grita? Não estou me referindo àquele grito que sai através de sua boca como reflexo de uma dor física, um susto ou uma súbita irritação. Pergunto por aquele grito que vem do coração, expressando angústia, dor existencial, abandono, injustiça. O grito que pode até ser silencioso, terrivelmente silencioso, para você e para quem o(a) “escuta”; como também o grito sonoro que traz do seu íntimo todo o sofrer, e que quando não é verbalizado pode se transformar em doença ou, no mínimo, vida mal vivida. Ou você já cansou de gritar e desistiu?
Estou fazendo um estudo sobre o significado do grito, com base em Clarice Lispector e em minha própria experiência de vida pessoal e profissional. Compartilho um pouco do que já estou compreendendo.
Ao longo da vida a escritora Clarice Lispector teve muitos momentos de depressão. Lendo sua Biografia "Clarice,", de Benjamin Moser, encontrei estas palavras dela, que enriqueceram o que eu já vinha estudando, quanto à real efetividade dos medicamentos antidepressivos, algo além dos efeitos bioquímicos: "...quando eu tomo calmante, eu não ouço o meu grito, sei que estou gritando mas não ouço ..." Acrescentei esta percepção dela ao que já pensava: em algumas situações, o antidepressivo age como um anestesiador de sentimentos, proporcionando um tempo de alívio para dor tão lancinante. Ele não vai resolver a causa da depressão, sanar as fragilidades pessoais e nem dar fim aos conflitos existenciais que desencadearam o processo depressivo. No entanto, considero válido o seu uso em situações de intenso sofrimento psíquico, em que a pessoa está precisando de um socorro imediato, pois não está agüentando conviver com os próprios sentimentos, não suporta e não sabe o que fazer com o que pensa e sente. É uma forma de sobreviver àquele momento, ganhar forças para encarar-se e encontrar meios de enfrentar e superar a real causa do problema.


Gilvan Almeida


O grito - Trecho da obra de Clarice Lispector



(...) Mas se eu gritasse uma só vez que fosse, talvez nunca mais pudesse parar. Se eu gritasse ninguém poderia fazer mais nada por mim; enquanto, se eu nunca revelar a minha carência, ninguém se assustará comigo e me ajudarão sem saber; mas só enquanto eu não assustar ninguém por ter saído dos regulamentos. Mas se souberem, assustam-se, nós que guardamos o grito em segredo inviolável. Se eu der o grito de alarme de estar vivo, em mudez e dureza me arrastarão pois arrastam os que saem para fora do mundo possível, o ser excepcional é arrastado, o ser gritante.(...)Tudo se resumia ferozmente em nunca dar o primeiro grito - um primeiro grito desencadeia todos os outros, o primeiro grito ao nascer desencadeia uma vida. Se eu gritasse acordaria milhares de seres gritantes que começariam pelos telhados um coro de gritos e horror. Se eu gritasse desencadearia a existência - a existência de quê? A existência do mundo. Com reverência eu temia a existência do mundo para mim. (...) Eu com uma vida que finalmente não me escapa pois enfim a vejo fora de mim - eu sou minha perna, sou meus cabelos, sou o trecho de luz mais branca no reboco na parede - sou cada pedaço infernal de mim - a vida em mim é tão insistente que se me partirem - como uma largatixa, os pedaços continuarão estremecendo e se mexendo. Sou o silêncio numa parede, e a borboleta mais antiga esvoaça e me defronta: a mesma de sempre. De nascer até morrer é o que eu me chamo de humano, e nunca propriamente morrerei. (...)

Fonte: http://oportalddonson.blogspot.com/2008/03/eu-no-choro-se-for-preciso-um-dia-eu.html


2 comentários:

Dilamar disse...

Olá amigo!

Então, e Quem já não se encontrou assim nessa vida, não é mesmo amigo.
Penso que cada pessoa tem uma maneira de lidar com conflitos.
É importante pra mim, entender o porque de cada sentimento. Só assim, consigo "começar" a trabalha-los. Alguns deles exigem mais esforço e tempo. Mas posso amenizar... quando compreendo que faz parte do processo de aprendizagem.

Gilvan, como médico, como compreende a resiliência?

Abraço amigo.

Dilamar Bonazoni

Fátima Almeida disse...

a impressão que tive é de uma vida dolorida, muito a flor da pele junto com uma sensação de estranhamento das coisas ou inadequação. Coloca em xeque a questão doente x sadio, afinal quem é doente? Quem é sadio? Se o antidepressivo anestesia os sentimentos dá para pensar que a maioria vive anestesiada, ou então, que os seus sentimentos ou a sensibilidade estão a dormir. E ela disse " a vida é tão insistente em mim que se a cortassem em pedaçinhos como uma lagartixa os pedaços continuaria a estremecer". Clarice recusou concorrer a uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, reagiu com horror e estranhamento..